Os Estados Unidos e o Golpe Militar de 1964
Passados
50 anos do golpe militar que destituiu o presidente João Goulart e instalou a
ditadura militar no Brasil, os debates historiográficos sobre os diversos
pontos que construíram o evento nunca foram tão fortes. Uma das questões
debatidas pela historiografia, e que veio a tona novamente nesta efeméride
vivida no ano de 2014, diz respeito a participação dos Estados Unidos no golpe
militar de março de 1964. Considerando a vasta produção sobre o assunto, irei deter-me
a análisar três escritos em específico: os artigos Reinventando a história:
Lincoln Gordon e suas múltiplas versões de 1964, de James Green e Abgail
Jones, e Os Estados Unidos diante do Brasil e da Argentina: os golpes
militares da década de 1960, de Mario Raporport e Rubén Laufer. O terceiro
texto a ser analisado consiste em uma entrevista de Carlos Fico, doutor em
História pela Universidade de São Paulo, concedida ao Instituto Humanitas da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, de São Leopoldo-RS. Na entrevista, Fico
também dá sua opinião sobre a participação norte-americana nos eventos que
culminariam no golpe militar de março de 1964. Antes
de realizar qualquer comparação entre as produções escritas é necessário,
primeiramente, fazer uma rápida apresentação de cada uma delas. James Green e
Abgail Jones, em Reinventando a história: Lincoln Gordon e suas múltiplas
versões de 1964, organizam seu artigo com base nos discursos de Lincoln
Gordon, embaixador dos Estados Unidos no Brasil na década de 1960, ressaltando
sempre o apoio do embaixador ao golpe militar e como o discurso de Gordon
tornou-se incoerente ao longo dos anos, sempre que o embaixador tentava
justificar seu apoio ao golpe e posterior ditadura militar que deu-se no
Brasil. Em suma, os autores procuram, em um primeiro momento, verificar a
percepção de Gordon sobre os fatos na época em que eles ocorreram, e,
posteriormente, como a memória do embaixador modificou esta percepção ao longo
dos anos, que o objetivo de criar um legado que fosse agradável a pessoa de
Gordon. Por meio da análise dos discursos e de outros relatos escritos pelo
embaixador aos seus comandantes norte-americanos, os autores evidenciam a
participação dos Estados Unidos no golpe militar de Março de 1964. No artigo Os
Estados Unidos diante do Brasil e da Argentina: os golpes militares da década
de 1960, Mario Rapoport e Rubén Laufer também salientam a participação
norte-americana no planejamento do golpe militar no Brasil, como também
naqueles que aconteceram em outros países da América Latina, como é o caso de
Argentina e Chile. Primeiramente, contextualizam o golpe militar na conjuntura
da Guerra Fria, enfatizando o interesse dos Estados Unidos na América Latina,
especialmente após o triunfo da Revolução Cubana de 1959. Nas palavras dos
autores, seria inadmissível para os norte-americanos verem o Brasil, dada sua
grande extensão territorial e sua relativa importância econômica, se tornar uma
"nova Cuba". Assim sendo, grande parte do texto está construído com
base nos diferentes meios que os norte-americanos utilizam para auxiliar na
construção do golpe militar de 1964, que vão desde o apoio político e
ideológico até um possível apoio militar em uma possível guerra civil. Na
entrevista cedida ao Instituto Humanista da Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, Carlos Fico expõe seu pensamento sobre a participação norte-americana no
golpe militar no Brasil. Convergindo com os autores dos dois artigos já
citados, para Fico a participação norte-americana nos antecedentes e
consolidação do golpe é inquestionável, dando enorme ênfase para o embaixador
norte-americano no Brasil, Lincoln Gordon, como personagem que convenceu o
presidente dos Estados Unidos a época do ocorrido, John Kennedy, a realizar
intervenções com o objetivo de desestruturar o governo "esquerdista"
de João Goulart.Em todos os
escritos analisados, a participação norte-americana no planejamento do golpe
militar de 1964 é inquestionável. Green e Jones fazem uso dos relatos de Gordon
para demonstrar como o embaixador norte-americano modificou seu discurso ao
longo dos anos; Apesar deste nunca ter afirmado a participação norte-americana
no golpe, após o aparecimento dos documentos sobre a operação Brother Sam,
Gordon deixou de negar veementemente a participação norte-americana no golpe:
Ele passou a usar uma linguagem mais matizada e focada
em pontos específicos do plano de contingência, como fez em 1976, quando
declarou que a CIA não desempenhou nenhum papel no golpe, "dirigindo-o ou financiando-o".
Ele nunca esclareceu essa ambiguidade. (GREEN; JONES. 2009, p. 81).
Para
os autores, Gordon apoiou o golpe militar de 1964. Após a longa ditadura que se
seguiu, procurou justificar seu posicionamento de diferentes maneiras. Em suma:
"a realidade, o que mudou, ao longo dos anos, foram os argumentos
utilizados por Gordon como desculpa para legitimar sua visão anticomunista e
sua política golpista. GREEN; JONES. 2009, p. 81)." Rapoport e Laufer, assim como Green e Jones, também
apontam para a participação norte-americana no golpe militar de 1964.
ob a pressão dos setores conservadores internos,dos
interesses norte-americanos afetados pelas expropriações e dos “duros” do
Departamento de Estado preocupados com o rumo da política externa brasileira,os
Estados Unidos – através da CIA e da própria Embaixada – modificariam posição
vacilante, passando a colaborar ativamente com grupos anti-Goulart como IPES
(Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e o IBAD (Instituto Brasileiro para
a Ação Democrática) , financiando seu equipamento e propaganda. ( LAUFER; RAPOPORT, 2000, p. 74).
Em
Os Estados Unidos diante do Brasil e da Argentina: os golpes militares da
década de 1960, a ênfase maior está na intervenção política que os Estados
Unidos vinham realizando no Brasil desde as eleições de 1962. A Figura do
embaixador Gordon também é destacada como figura importante no processo que
culminaria no golpe militar. Gordon seria o responsável por enviar ao governo
norte-americano notícias sobre o governo Goulart e como este estaria se
preparando para entregar o país nas mãos dos comunistas.
O
embaixador Gordon admitiria mais tarde que os Estados Unidos investiram aproximadamente cinco milhões de dólares na
missão de torcer a vontade eleitoral de parte significativa da cidadania
brasileira (outras fontes calculam entre 12 e 20milhões de dólares), em sua
maior parte, proporcionados pela CIA e canalizados através do First National
Bank of New York e do Royal Bank of Canadá ( LAUFER;
RAPOPORT, 2000, p. 76).
O historiador Carlos
Fico Corrobora com as informações apresentadas pelos autores analisados
anteriormente. Para ele, a democracia brasileira foi derrubada pela
"democracia norte-americana". Na visão de Fico, o governo de Castelo
Branco foi o auge do alinhamento entre o Brasil e os Estados Unidos, o que se
reflete também na produção de Green e Jones, que ressaltam o incondicional
apoio de Gordon ao primeiro presidente do regime militar. Como ponto em comum,
destaca-se o "arrependimento”, sempre demonstrado de maneira muito tímida,
de parte do governo norte-americano após que as torturas tornaram-se uma
constante no regime militar brasileiro. A
história do envolvimento dos Estados Unidos na preparação do regime militar
brasileiro ainda é bastante nebulosa, visto os documentos existentes e que
ainda não foram revelados. Os poucos registros que vieram a público, na visão
dos autores analisados, indicam uma inegável participação norte-americana. Os
debates historiográficos sobre o assunto, logicamente, não se limitam aos
autores analisados.
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