sábado, 24 de outubro de 2015

As cartas e a História



Ficha de leitura de MALATIAN, Teresa. Cartas: Narrador, registro e arquivo. In: PINSKY, CarlaBassanezi;  LUCA, Tania Regina de. O historiador e suas fontes.  São Paulo: Contexto, 2009, p. 195-39.
-Em Cartas: Narrador, registro e arquivo, Teresa Malatian (2009) realiza uma reflexão acerca do uso de cartas como fonte importante para pesquisas históricas.
-As castas constituem um gênero cultivado desde a antiguidade, como forma literária e fonte de informações para estudos biográficos; A partir do século XVIII, assumiram também uma dimensão educativa, sendo utilizadas' na formação de jovens devido ao ser caráter de "arte formadora da existência.
- Verifica-se, a partir do século XIX, o fortalecimento do gênero autobiográfico, quando tornou-se comum refletir e falar sobre si mesmo e enviar resultados a terceiros, dando origem a uma cultura epistolar bastante específica, submetida as regras de etiqueta.
- A partir do século XVIII as cartas passaram a expressar cada vez mais sentimentos e experiências; O hábito da correspondência difundiu-se, alcançou diversas camadas sociais e transformou-se em uma prática cultura apreciada na Europa e na América; O públicou escritor também modificou-se, deixando de ser preferencialmente masculino e tornando-se majoritariamente feminino.
-A historiadora Michelle Perrot alerta para a adoção de códigos de sociabilidade presentes nas cartas, uma clara tentativa de expressar a vida privada segunda as regras de boas maneiras da sociedade burguesa da época; Não sendo declarações espontâneas, as cartas ocultavam e revelavam os autores de acordo com as regras de boas maneiras e de apresentação de si.
- Diante da necessidade de uma codificação social, a arte de escrever cartas tornou-se objeto de educação formal nas escolas, onde os manuais estabeleciam os temas a serem abordados de acordo com o grau de intimidade que o emissor compartilhava com o destinatário.
-A partir do século XIX também é possível perceber o desenvolvimento da indústria da carta: papeis de diferentes cores e formatos, tarjas pretas para indicar luto, ilustrações em ocasiões festivas; Estes detalhes podem revelar informações relevantes, como o grupo de origem e de destino da carta e o território social de circulação.
-Sobre o momento de realizar a leitura de uma carta biográfica;Para Malatian (2009),  momento biográfico são as cartas expressando dimensões culturais do sugeito. A autora destaca:
           Ao ter acesso a esses fragmentos, o historiador espia por uma fresta a vida privada palpitante, dispersa em migalhas de conversas a serem decodificadas em sua dimensão histórica, nas condições socieconômicas e na cultura de uma época, na qual público e privado se entrelaçam, constituindo a singularidade do indivíduo em uma dimensão coletiva. Processo identitário que se define constantemente e elimina qualquer suposição  de coerência e continuidade de atitudes, sentimentos ou opiniões. (MALATIAN, 2009, p.3).
            Considerando a subjetividade e as diferentes trajetórias de cada indivíduo, as cartas apresentam a todo momento uma "pose" de si mesmo, o " eu estou aqui". Portanto, para a prática epistolar, é necessário possuir o dominío da da imagem de si; Apesar das escolhas realizadas pelo escritor, os eventos narrados devem parecer verdadeiros para o leitor.
-É inegável que censura e autocensura estão presentes na atividade epistolar. Não raramente o historiador não obterá a autorização de famílias para ter acesso as cartas, sob as mais diferentes justificativas. Em outras ocasiões o acesso é limitado. Em suma, o desejo de controle da memória, de preservação de imagem pública e da manutenção de segredos  impõem obstáculos ao historiador.
-Entender o gênero epistolar é de suma importância para o historiador, levando-o a entender as cartas não somente como fonte de informações, mas também como objeto. Conhecendo-o, o historiador poderá mapear as redes de sociabilidade nas quais os indivíduos se inserem e os vínculos existentes entre os correspondentes.
-Amplas são as possibilidades que as cartas apresentam a um historiador; Caberá ao profissional decidir se irá trabalhar com história da literatura, da educação, da cultura, etc. Em suma, é importante definir o problema ou a questão a ser colocada aos documentos, sempre levando em consideração o caráter subjetivo do escritor e o contexto cultural em que o material foi escrito. É necessário lembrar sempre  que as informações contidas nas cartas são versões individuais ou coletivas construídas sobre algum acontecimento vivido pelo narrador ou do qual ele se interou.
-Vistas como fonte ou como objeto, as cartas devem sempre ser confrontadas com outras fontes, procurando alcançar uma percepção nuançada de seus objetivos, conteúdos e implicações; Sempre que possível é válidos unir correspondência ativa e passiva, gerando um rico quadro analítico.
- A emotividade presente nas cartas pode ameaçar o distanciamento que o historiador deve ter em relação aos documentos; Outro perigo é a projeção autobiográfica, onde o historiador cria uma relação com o sujeito estudado, dificultando uma análise crítica da fonte; Apesar da empatia pelos sentimento do passado, o profissional da História deve escapar de uma excessiva identificação com seu objeto, rompendo o encantamento existente quando se tem acesso a vida íntima de indivíduos do passado.
-Cartas de família são muito frutíferas para  estudos biográficos e do cotidiano. Neste tipo de documento o historiador pode analisar a motivação que levou à escrita, as condições de produção, de circulação, etc.
-Vulneráveis a censura oficial, as cartas de família também desenvolveram códigos sociais, maneiras de dizer sem dizer. Frases Como "peço-lhe que destrua depois de ler" não são incomuns. Do ponto de vista cultural, cartas familiares podem revelar dados como apelos a data, hora, ritmo epistolar, tempo gasto na escrita, momento de chegada ou partido do correio, além dos claros indícios de experiência pessoal do tempo.

-Por fim, ainda é possível ao historiador verificar nas cartas de família como constituía-se refúgio contra agressões do exterior, mobilizada como instrumento de identificação segundo laços de sangue, aliança, amizade. É possível estudar a história da família, uma vez que as cartas apresentam palavras de solidariedade e acompanha a circulação de bens materiais.

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