Ficha de leitura de
MALATIAN, Teresa. Cartas: Narrador, registro e arquivo. In: PINSKY,
CarlaBassanezi; LUCA, Tania Regina de. O
historiador e suas fontes. São
Paulo: Contexto, 2009, p. 195-39.
-Em Cartas: Narrador, registro e arquivo,
Teresa Malatian (2009) realiza uma reflexão acerca do uso de cartas como fonte
importante para pesquisas históricas.
-As castas constituem um gênero cultivado desde a
antiguidade, como forma literária e fonte de informações para estudos
biográficos; A partir do século XVIII, assumiram também uma dimensão educativa,
sendo utilizadas' na formação de jovens devido ao ser caráter de "arte
formadora da existência.
- Verifica-se, a partir do século XIX, o
fortalecimento do gênero autobiográfico, quando tornou-se comum refletir e
falar sobre si mesmo e enviar resultados a terceiros, dando origem a uma
cultura epistolar bastante específica, submetida as regras de etiqueta.
- A partir do século XVIII as cartas passaram a
expressar cada vez mais sentimentos e experiências; O hábito da correspondência
difundiu-se, alcançou diversas camadas sociais e transformou-se em uma prática
cultura apreciada na Europa e na América; O públicou escritor também
modificou-se, deixando de ser preferencialmente masculino e tornando-se
majoritariamente feminino.
-A historiadora Michelle Perrot alerta para a adoção
de códigos de sociabilidade presentes nas cartas, uma clara tentativa de
expressar a vida privada segunda as regras de boas maneiras da sociedade
burguesa da época; Não sendo declarações espontâneas, as cartas ocultavam e
revelavam os autores de acordo com as regras de boas maneiras e de apresentação
de si.
- Diante da necessidade de uma codificação social, a
arte de escrever cartas tornou-se objeto de educação formal nas escolas, onde
os manuais estabeleciam os temas a serem abordados de acordo com o grau de
intimidade que o emissor compartilhava com o destinatário.
-A partir do século XIX também é possível perceber o
desenvolvimento da indústria da carta: papeis de diferentes cores e formatos,
tarjas pretas para indicar luto, ilustrações em ocasiões festivas; Estes
detalhes podem revelar informações relevantes, como o grupo de origem e de
destino da carta e o território social de circulação.
-Sobre o momento de realizar a leitura de uma carta
biográfica;Para Malatian (2009), momento
biográfico são as cartas expressando dimensões culturais do sugeito. A autora
destaca:
Ao
ter acesso a esses fragmentos, o historiador espia por uma fresta a vida
privada palpitante, dispersa em migalhas de conversas a serem decodificadas em
sua dimensão histórica, nas condições socieconômicas e na cultura de uma época,
na qual público e privado se entrelaçam, constituindo a singularidade do
indivíduo em uma dimensão coletiva. Processo identitário que se define
constantemente e elimina qualquer suposição
de coerência e continuidade de atitudes, sentimentos ou opiniões.
(MALATIAN, 2009, p.3).
Considerando
a subjetividade e as diferentes trajetórias de cada indivíduo, as cartas
apresentam a todo momento uma "pose" de si mesmo, o " eu estou
aqui". Portanto, para a prática epistolar, é necessário possuir o dominío
da da imagem de si; Apesar das escolhas realizadas pelo escritor, os eventos
narrados devem parecer verdadeiros para o leitor.
-É inegável que censura e autocensura estão presentes
na atividade epistolar. Não raramente o historiador não obterá a autorização de
famílias para ter acesso as cartas, sob as mais diferentes justificativas. Em
outras ocasiões o acesso é limitado. Em suma, o desejo de controle da memória,
de preservação de imagem pública e da manutenção de segredos impõem obstáculos ao historiador.
-Entender o gênero epistolar é de suma importância
para o historiador, levando-o a entender as cartas não somente como fonte de
informações, mas também como objeto. Conhecendo-o, o historiador poderá mapear
as redes de sociabilidade nas quais os indivíduos se inserem e os vínculos
existentes entre os correspondentes.
-Amplas são as possibilidades que as cartas apresentam
a um historiador; Caberá ao profissional decidir se irá trabalhar com história
da literatura, da educação, da cultura, etc. Em suma, é importante definir o
problema ou a questão a ser colocada aos documentos, sempre levando em
consideração o caráter subjetivo do escritor e o contexto cultural em que o
material foi escrito. É necessário lembrar sempre que as informações contidas nas cartas são versões
individuais ou coletivas construídas sobre algum acontecimento vivido pelo
narrador ou do qual ele se interou.
-Vistas como fonte ou como objeto, as cartas devem
sempre ser confrontadas com outras fontes, procurando alcançar uma percepção
nuançada de seus objetivos, conteúdos e implicações; Sempre que possível é
válidos unir correspondência ativa e passiva, gerando um rico quadro analítico.
- A emotividade presente nas cartas pode ameaçar o
distanciamento que o historiador deve ter em relação aos documentos; Outro
perigo é a projeção autobiográfica, onde o historiador cria uma relação com o
sujeito estudado, dificultando uma análise crítica da fonte; Apesar da empatia
pelos sentimento do passado, o profissional da História deve escapar de uma
excessiva identificação com seu objeto, rompendo o encantamento existente
quando se tem acesso a vida íntima de indivíduos do passado.
-Cartas de família são muito frutíferas para estudos biográficos e do cotidiano. Neste
tipo de documento o historiador pode analisar a motivação que levou à escrita,
as condições de produção, de circulação, etc.
-Vulneráveis a censura oficial, as cartas de família
também desenvolveram códigos sociais, maneiras de dizer sem dizer. Frases Como
"peço-lhe que destrua depois de ler" não são incomuns. Do ponto de
vista cultural, cartas familiares podem revelar dados como apelos a data, hora,
ritmo epistolar, tempo gasto na escrita, momento de chegada ou partido do
correio, além dos claros indícios de experiência pessoal do tempo.
-Por fim, ainda é possível ao historiador verificar
nas cartas de família como constituía-se refúgio contra agressões do exterior,
mobilizada como instrumento de identificação segundo laços de sangue, aliança,
amizade. É possível estudar a história da família, uma vez que as cartas
apresentam palavras de solidariedade e acompanha a circulação de bens
materiais.
Muito bom, obrigado!
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