quarta-feira, 12 de outubro de 2016

História e Literatura: a Era Vargas e a Segunda Fase do Modernismo no Brasil


A relação entre produção literária e contexto histórico-social, ou seja, o espaço existencial do autor, é elemento de extrema importância para o entendimento de qualquer obra literária. O autor expressa em suas obras a realidade que vive, bem como suas angústias e esperanças. Se por um lado a literatura não é historiografia, por outro lado não se pode fazer uma analise literária qualificada ignorando o contexto histórico em que a obra foi produzida. A origem e desenvolvimento da literatura estão diretamente ligados ao processo histórico-social.                                                                                                                                                 
No Brasil, o período entre 1930 e 1945 é conhecido como Era Vargas. Durante estes quinze anos o mundo assistiu à grave crise econômica, à ascensão de regimes totalitários como Nazismo e Fascismo e à Segunda Guerra Mundial. Em nosso país, as Revoluções de 1930 e de 1932 geraram um clima de turbulência política confirmado pela implantação da ditadura do Estado Novo, em 1937. Em suma, um período de agitação, mudanças, medo e incertezas.                                                                                                                                      
Refletindo o momento vivido pelo país, a Segunda Geração Modernista (1930-1945) expressou, por meio da poesia, as angústias e os anseios do período. A chamada Geração de 1930 apresentou uma temática histórica, social e cotidiana, marcada pelo uso de versos livres e pela rejeição ao academicismo. Entre os principais autores deste período estão Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Murilo Mendes e Mário Quintana.

José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
                              
Carlos Drummond de Andrade


          O poema está intimamente ligado aos acontecimentos históricos. Publicado em 1942, durante o Estado Novo, a obra expressa a repressão política, o governo autoritário, as condições de trabalho. Reflete também a miséria enfrentada por parte da população, as desigualdades sociais e o sofrimento das classes operárias.                     
            
       É possível perceber, desde o início do poema, a sensação de perda e desesperança. Ao longo da obra se expressa a desilusão, a carência e a solidão, seguidas da incapacidade de reação e de resolução dos problemas.

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